Adoro café...adoro chá...principalmente de erva cidreira, gelado e com limão...ahhh...só gosto mais ainda quando sei que estou convidado para um chá com minhas alegres amigas de Treviso.Uma casa na comuna de Montebelluna, linda, aconchegante, com mais de 8 quartos e uma sala de estar simplesmente imensa. Móveis em estilo bem rústico, mas adequado para uma reunião de grandes amigas que se conhecem há muito tempo e pelo visto, continuam a se conhecer.
Vivian é minha anfitriã e me hospeda no quarto com vista para o lago, o que me possibilita avistar os pássaros pela manhã, e eu agradeço.
Ela me conta que a tradição do chá teve início há longo tempo atrás e todas ainda eram solteiras...bem, algumas ainda o são...mas todas já vivenciaram as desventuras dos encontros, o que torna as reuniões bem humoradas; Vivian jura que não é o clube da luluzinha, mas nunca ví um homem andando na sala durante o chá, o que traz um ar de mistério ao solene momento.
São 5 amigas...de diferentes afazeres, diferentes responsabilidades, mulheres normais, com filhos, maridos, namorados, amantes e com muitos sonhos...passados, presentes e futuros.
Aí voce vai me perguntar o que "eu" estou fazendo na casa dela...hum...eu sou um convidado apenas por uns dias e na reunião nem passo perto da sala; Elas não passam dias, mas sim horas, conversando; Ah, e nem adianta perguntar os assuntos que são discutidos, é como um pacto entre elas...eu só posso inventar um aqui: Na verdade elas fazem parte de um grupo que investiga os mistérios do relacionamento humano, nas suas mais profundas versões.
Interessante?...eu estou apenas supondo um dos assuntos; Senão vejamos, quando eu a ouví dizer para Simone que havia notado um certo desconfôrto em seu motorista naquela manhã.
Um leve pigarrear ao falar bom dia e um abaixar a cabeça como que disfarçando algo que sua face transparecia....Uau...que notável seu dom de dedução...mais Sherlock Holmes, impossível.
Vivian deixa escapar para sua amiga que ele havia brigado com sua espôsa na noite anterior e estava saindo de casa após descobrir uma leve(eu disse leve) traição, daquelas até que perdoáveis. Tudo isso descoberto através de duas ou tres palavras...ok, Viv, ok...
E numa noite dessas, Aline, sua outra amiga estava ao telefone e chama Simone para ouvir na extensão uma conversa que estava tendo com seu namorado...Ah, as mulheres e seus saudáveis jogos de fim de tarde.
Vivian estimula suas imaginações...parece que faz questão de naquele chá, a realidade ficar fora de sua casa; Um mundo distante das questões emergenciais que nos embalam no dia a dia; Uma fantasia que me parece bem viva nestas tardes.
O café da manhã me foi servido no quarto, já que estava com uma leve indisposição, que prontamente foi curada com um chá...de erva cidreira...ou capim limão...como queiram.
Daquele momento em diante, não fico uma semana sem tomá-lo...Te saúdo, querida amiga, pela providencial consulta.
Uma curiosidade: o chá me provoca sonhos, mas imagino que Viv sabia disso.
Eu a escutava dizer que eu não sonhava o bastante...e um bom sonho nos leva a frente. Assim diz Vivian.
E eu sonho hoje em dia!...quero deixar isso bem claro aqui para o caso dela ler meu blog...
mas sinceramente, não acredito, pois ela relutou muito em instalar a internet em sua casa, e só após muitas conversas e debates com seu filho é que ela cedeu.
Bom, na semana que passei em Treviso, havia uma dessas reuniões em sua casa e eu, claro, saí naquela tarde para um passeio pela região, a convite do Dr. Vicenzo, um vizinho muito amável, que levou-me para um doce e forte café na sua casa. Convite prontamente aceito!
Após muita conversa e de conhecer toda sua família(mais ou menos 38 pessoas, o que, claro, em se tratando de italianos, o café da tarde virou uma tradicional festa, com direito muita massa e vinho...) tomo o caminho da casa imaginando já haver terminado o chá das meninas...lêdo engano! Ao chegar a porta para entrar percebo estar trancada, o que me contraria um pouco, mas aperto a campainha e aguardo um dos criados me atender...10 minutos e nada...o frio começa a incomodar-me, mas nada que não supere; Avisto a reunião pela janela lateral e tento acenar para uma das convidadas, mas para meu espanto, ao me ver, assustada começa a gritar, talvez pensando se tratar de algum malfeitor; Eu fico imóvel e tento me fazer reconhecer, mas saio correndo ao perceber que Viv pega uma arma e aponta na direção da vidraça...foi o tempo certo de me virar e o tiro passa raspando...corro uns 50 metros longe da janela e escorrego no limo que se forma no caminho até o jardim...tombo dolorido...levanto e olho em direção da casa...uma multidão se formara na porta, já aberta, e alguns homem correm na minha direção.
Penso muito rápido; se ficar poderei levar outro tiro, talvez eles não me reconheçam, já é noite alta e não fico para saber, apenas corro...
Alguns kilometros depois, ouço uma sirene ao longe e sinto-me um fugitivo, impotente diante do mal entendido e tonto ainda pelo tombo; Resolvo parar e aguardar o desfecho daquela insólita pequena história de suspense. O carro da polícia chega e me aborda...todo sujo e com a roupa rasgada, parecendo um verdadeiro andarilho: O guarda, um simpatico "carabinieri" me pergunta quem sou e o que faço ali...desnecessário dizer a voces que ele não entendeu nada, o que me levou a delegacia para esclarecimentos e claro, apenas um telefonema.
Ligo pra Viv e tento explicar o que aconteceu, mas ela estava apavorada pelo fato de um "fantasma" haver aparecido na janela da casa naquela noite; Tento em vão explicar que o tal fantasma era eu, mas desisto...então ela me pergunta onde estou e após contar, ela manda Elise me buscar...ah...alivio...Bom, só contei a verdadeira versão para Viv alguns dias depois, o que resultou em uma sonora gargalhada e um comentário: "Meu caro, a vida não é feita só de realidade..."
Certo, querida amiga, voce é que está certa...e nessas noites de Santorini, ao tomar a caneca de chá nas mãos, olho para a vidraça e se alguem estiver passando pela minha casa, sempre imagino um convidado espiando uma possivel reunião do chá por aqui; mas eu lhe digo que essas reuniões só podem acontecer na sua casa, pois voce é a pessoa que faz a magia acontecer.
E eu agradeço os convites que voce me fez ao longos anos...e posso dizer-te com certeza imensa: Eu sonho muito...e meus sonhos me levam a frente, exatamente como voce queria...
E eu pra celebrar sua amizade, ouço sua musica predileta...
Ray Charles/Georgia on my mind
Um comentário:
À propósito,o que mais me fascina no escritor é a possibilidade que ele nos dá de alegorizarmos a realidade...com um toque de classe e elegância,e é claro,de pura sedução.Beijos.Suzi.
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